terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Sino by Sergio Niculitcheff











Sergio Niculitcheff







O NOSSO LIVRO

Florbela Espanca

Livro do meu amor, do teu amor,
Livro do nosso amor, do nosso peito...
Abre-lhe as folhas devagar, com jeito,
Como se fossem pétalas de flor.

Olha que eu outro já não sei compor
Mais santamente triste, mais perfeito
Não esfolhes os lírios como que é feito
Que outros não tenho em meu jardim de dor!

Livro de mais ninguém! Só meu! Só teu!
Num sorriso tu dizes e digo eu:
Versos só nossos, mas que lindos sois!


Ah! Meu Amor! Mas quanta, quanta gente
Dirá, fechando o livro docemente:
"Versos só nossos, só de nós os dois!"
Sergio Niculitcheff




CARAVELAS

Florbela Espanca

Cheguei a meio da vida já cansada
De tanto caminhar! Já me perdi!
Dum estranho país que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.


Tanto tenho aprendido e não sei nada.
E as torres de marfim que construí
Em trágica loucura as destruí
Por minhas próprias mãos de malfadada!


Se eu sempre fui assim este Mar morto:
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram!


Caravelas doiradas a bailar...
Ai quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei à vida, e não voltaram!...

A Divina Arte de Sergio Niculitcheff

Sofá by Sergio Niculitcheff



No sofá te espalhas lânguida,
teus joelhos me hipnotizam,
teu movimento sensual,
falsamente despretensioso, me atiça.
Permites-me ver
um pouco mais de ti
num movimento de esconde /mostra que me fascina e excita.
Teus olhos me convidam,
tua boca espera meus beijos,
teu colo denuncia a respiração de quem espera o amor.
Teus joelhos, ah esses joelhos,
mistério que não desvendo,
são o que mais me atrai em ti.
A pele macia e luzidia
dessas articulações sensuais, parece olhos de serpente a me atrair.
Espero teu bote, a picada mortal,

entregue a teus encantos me aproximo e me deixo seduzir de vez pelo calor de teus
beijos; pelo frescor de tua pele…ajoelho-me diante de uma deusa, e
paradoxalmente, é nos teus joelhos que repousam os meus lábios.
Ah,como é bom sentir teu arrepio,
como é bom sentir a promessa
de mais uma tarde ardente de amor.
Tu, o sofá e eu…apenas os três saberemos o desfecho deste poema.


Jorge Linhaça
Casa Areia by Sergio Niculitcheff



A Casa Do Tempo Perdido


Bati no portão do tempo perdido, ninguém atendeu.

Bati segunda vez e mais outra e mais outra.

Resposta nenhuma.


A casa do tempo perdido está coberta de hera

pela metade; as outras metades são cinzas.

Casa onde não mora ninguém, e eu batendo e chamando pela dor de chamar e não ser escutado.


Simplesmente bater. O eco devolve minha

ânsia de entreabrir esses paços gelados.

A noite e o dia se confundem no esperar, no bater e bater.

O tempo perdido certamente não existe.

É o casarão vazio e condenado.


Autor: Carlos Drummond de Andrade